terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Mais uma estrela brasileira.

Carla Körbes, a dançarina que faz tempo parar.

RIO - As sapatilhas da gaúcha Carla Körbes já pisaram nos principais palcos da Rússia, do Canadá, do Japão, da Itália e da Grécia. Nos Estados Unidos, onde mora desde os 15 anos de idade, a bailarina de 31 passou pela seleta School of American Ballet, foi solista do New York City Ballet e, hoje, é primeira bailarina do Pacific Northwest Ballet, em Seattle. Como dançarina profissional, porém, Carla nunca foi vista no Brasil.
A julgar pelo destaque que vem tendo no exterior, sua terra natal não deveria esnobá-la: para a revista “Vanity Fair”, que dedicou a ela uma página inteira neste mês, “quando Carla Körbes dança, o tempo para”.
“Carla tem o dom mais raro de todos: a capacidade de transcender o mero brilho e partir nossos corações. Ela é arrebatadoramente bonita, possui técnica em abundância, mas o que especialmente chama a atenção nela é a sua sutileza”, escreveu Damian Woetze na revista. “Imagine uma nota ecoando pelo universo muito tempo depois de o seu som ter começado. Assim é a performance de Carla, que parece não se limitar às leis de tempo e de espaço.”
A melhor aluna
Nascida em Porto Alegre, em uma família de ascendência alemã, a menina de longas madeixas douradas, traços finos e pele alva foi parar em Nova York em 1996, pelas mãos do consagrado bailarino americano Peter Boal, atual diretor artístico do Pacific Northwest Ballet. Na época, ela fazia aulas na escola de dança local, o Ballet Vera Bublitz, que convidava, vez ou outra, estrelas internacionais para se apresentar com as meninas. Coube à adolescente Carla, a melhor aluna do curso, aos 14 anos, fazer um pas de deux com Peter Boal, então primeiro bailarino do New York City Ballet. Boal ficou chocado.
— Foi uma experiência surreal — lembra ele. — O primeiro ensaio já foi quase sem falhas, como se a gente tivesse ensaiado durante semanas. Aquilo me marcou. Compartilhamos as mesmas ideias sobre a música, os movimentos, as expressões... Ela era natural. Às vezes, ser um ótimo bailarino também envolve ser uma ótima pessoa e, mesmo a Carla sendo muito nova, era possível perceber sua inteligência, sua generosidade e seu cuidado com a dança.
Boal convenceu os pais de Carla de que ela precisava fazer imediatamente o teste para entrar na rigorosa School of American Ballet (SAB), celeiro de alguns dos melhores bailarinos clássicos do mundo, do qual ele fez parte. Carla passou na primeira tentativa e, aos 15 anos, mudou-se para os alojamentos da escola em pleno Lincoln Center, em Nova York.
Carla não falava uma palavra de inglês. Viu-se sozinha, em um país diferente, tendo que frequentar, além das oito horas diárias de aulas de balé, outras quatro em um colégio especializado em jovens artistas, para terminar o então Segundo Grau. Lá, foi da mesma sala de nomes como a atriz Julia Stiles e o então menino prodígio — e rebelde — Macaulay Culkin.
— Eu dormia na aula de tão cansada. Simplesmente não conseguia — confessa a brasileira, em entrevista por telefone, de Seattle. — As pessoas normais, que é como chamo todo mundo que não dança nesse nível, podiam sair em dias de semana, beber, dormir tarde. Eu nunca pude e nem quis fazer isso. Preciso estar com meu corpo ativo todos os dias.
Com a vida social comprometida (apesar de ter tido um namorado americano durante oito anos), persistência e obstinação foram alguns dos traços de sua personalidade mais importantes naquele momento. Apoiada por sua paixão pela dança, ela conseguiu se destacar entre as milhares de meninas da School of American Ballet. Já no primeiro período, ganhou dois dos três papéis principais nos espetáculos de fim de ano — feito que ela conta com um risinho orgulhoso.
Mesmo tendo rompido os ligamentos do peito do pé direito no ano seguinte e ficado seis meses de muletas após passar por duas cirurgias, Carla recebeu, no fim do curso, o Mae. L. Wien Award, premiação que consagra as melhores bailarinas que já passaram pela escola. A honraria foi seu passaporte para o corpo de baile do New York City Ballet, para onde se mudou em 2000.
— Lembro-me exatamente do dia em que Carla chegou à escola — conta Susy Pilarre, professora há 27 anos da SAB e que acolheu a bailarina como sua pupila. — Ela tem o que não pode ser ensinado. Nasceu com um dom. Tivemos muita sorte em tê-la aqui. Fico impressionada ao vê-la dançar. Hoje apenas me sento no teatro e a aprecio.
O ingresso em uma das companhias mais respeitadas do mundo trouxe a Carla uma sensação comum à maioria dos dançarinos que saem da zona de conforto e migram a um novo patamar de referência: a saudade de ser a melhor.
— Era como se eu tivesse voltado à estaca zero. Você está acostumada a estar no alto e, de repente, é a pior. Foi um período difícil. Dançava das 10h às 23h, com apresentações de terça a domingo, sempre sob muita pressão. E as aulas não são mais obrigatórias, você tem que estar sempre highly motivated, disposta — recorda Carla, misturando inglês com português. — As cobranças são mais ríspidas, com um tom áspero, dizendo que você está gorda. Alguns professores simplesmente diziam que não gostavam da minha perna. O que eu podia fazer? Passei por muitos ups and downs...
Apesar de ter sido promovida a solista em 2005, Carla preferiu pedir emprego a Peter Boal quando soube que ele assumira a direção artística do Pacific Northwest Ballet.
— No Pacific, tenho a oportunidade de dançar todos os papéis que tinha vontade e que sabia que não me dariam no New York City Ballet naquele momento. Bailarina tem carreira curta, e eu quero dançar até sentir meu corpo dizer que não consigo mais fazer isso no nível em que gostaria.
Enquanto isso não acontece, um desejo segue pendente:
— Adoraria dançar no Brasil, mas não conheço ninguém do (Teatro) Municipal, por exemplo... Se alguém me ligasse, eu iria — admite Carla, sem pedir emprego, lembrando que sua agenda está cheia pelos próximos dois anos.
 

Reportagem :  http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/videos/t/edicoes/v/brasileira-se-torna-a-estrela-de-uma-das-principais-companhias-de-bale-dos-eua/2427932/